domingo, agosto 21, 2005

saúde


Estava preparando um café, quando esta história, sem mais aquela, me veio à mente. Talvez, seja uma das histórias que não contei aos meus filhos, mas que contarei aos netos.

Quando eu era criança bem pequena, a saúde tinha um atendimento bem diferente:o médico vinha em casa! Dos dois médicos mais freqüentes, eu preferia o mais velho, que tinha um martelinho, ao mais novo, que tinha buraquinhos na cara. O mais novo se chamava Dr Valério e eu lembro disso porque a minha mãe me contou que foi ele que a atendeu quando eu nasci.

Com ou sem martelinho eles apareceram lá em casa nas gripes mais fortes e no sarampo, que toda a rua teve. Para coisas 'menores', havia no bairro um enfermeiro, que atendia num consultório montado em sua casa.

Ali morava o perigo. Estas 'coisas menores' não incluiam pequenos cortes, raspões, esfolados, torções que qualquer vó pudesse tratar. Coisas pequenas eram pequenas suturas, furúnculos que não se abriam, espinhos que não saiam por métodos domésticos, feridas infeccionadas, ...

Ir no Seu Natálio não era bom. Casualmente o consultório ficava ao lado do açougue e o barulho da serra de carne ficava indelevelmente associado aos procedimentos ... cirúrgicos.

Eu me lembro de uma vez que fui lá com a mãe e a minha mana. Possivelmente, afundei no inconsciente às vezes em que fui a paciente... A coitadinha da mana tinha um furúnculo embaixo do braço que ninguém conseguia 'mexer'. Seu Natálio deitou ela na maca e mostrou a folhinha da parede onde aparecia uma menina abraçando carneirinhos. Ela olhou e ele cortou... Foi um berro só e, claro, a choradeira bem grande enquanto ele fazia o serviço. Hoje, não se faria isso sem anestesia local.

Eu assistindo entre sádica e apavorada e a mãe segurando ela e consolando. Não lembro do fim, de voltarmos para casa. Porém, além do açougue, ficou associado a este fato uma canção de ninar que a vó costumava cantar. Na certa ela cantou para consolar a mana. Da letra, só lembro um pedaço, modificado na minha memória dali por diante:

... a faca que corta Natálio (dá talho) sem dor...

Hoje, eu lembro esta história enquanto a Mara está lá, atucanada, terminando a sua dissertação que fala de práticas e formação médica, que, num certo sentido, mostra como a medicina mudou (ou não) e como o nosso imaginário se mantém ligado a ela com estas lembranças quase mágicas de deuses que dominavam nosso corpo doente.

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