sábado, março 22, 2003

o espetáculo


Se nos portarmos bem, está prometido, veremos todos as mesmas imagens e ouviremos os mesmos sons e vestiremos as mesmas roupas e comeremos os mesmos hambúrgueres e estaremos sós na mesma solidão dentro de casas em bairros iguais de cidades iguais onde respiraremos o mesmo lixo e serviremos aos nossos automóveis com a mesma devoção e obedeceremos às mesmas máquinas num mundo que será maravilhoso para todo aquele que não tiver pernas nem patas nem asas nem raízes. (GALEANO, 2001, p. 239)


Enquanto teço as linhas e entrelinhas de um projeto, tentando manter uma linha teórica consciente e coerente, a espiral histórica não se detém e mostra, nos acontecimentos presentes, as determinações que já estavam inscritas nos possíveis de um passado próximo.

Na tela das televisões materializa-se em imagens impactantes a primeira guerra em tempo real que assistimos em nível global. O aparato midiático segue o aparato militar e a cena da guerra se assemelha a um set de filmagem onde a destruição se mistura ao ensaio e a preparação dos atores.

Em cada canto do mundo foi possível ver o presidente da mais poderosa nação, testando expressões e poses, ter o seu cabelo arrumado diante das câmeras, antes de anunciar os últimos detalhes da carnificina que vem promovendo.

No campo de batalha, a telemática engendra o mais recente reality show. Desfila ante nossos olhos uma miscelânea de imagens rápidas, de textos desconexos, de simulações e apelações ao sensacionalismo. A tela divide-se em janelas, mesclando o desenho televisivo ao desenho da internet. Imagens e textos filtrados nos chegam iguais, seja qual for o canal de informações. Emerge um sentimento de irrealidade e de perda de sentido que nos assalta a cada evento. Comer pipocas assistindo ao bombardeio de Bagdad é aceitar como banal o sofrimento humano, aceitar a insensibilidade, nos desumanizar um pouco a cada dia.

Da globalização econômica, chegamos a globalização da cultura e dos sentimentos humanos. Na sociedade espetáculo , o sofrimento, a miséria e até a guerra podem ser estetizados e consumidos após o jantar. E, nisso, o desenvolvimento científico e tecnológico tem participação em forma e conteúdo, uma participação que urge ser discutida, desmistificada e posta às claras a todo cidadão deste planeta.

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