quinta-feira, julho 19, 2007

vôo 3054


Se nos portarmos bem, está prometido, veremos todos as mesmas imagens e ouviremos os mesmos sons e vestiremos as mesmas roupas e comeremos os mesmos hambúrgueres e estaremos sós na mesma solidão dentro de casas em bairros iguais de cidades iguais onde respiraremos o mesmo lixo e serviremos aos nossos automóveis com a mesma devoção e obedeceremos às mesmas máquinas num mundo que será maravilhoso para todo aquele que não tiver pernas nem patas nem asas nem raízes. (GALEANO, 2001, p. 239)

Sem ânimo para escrever sobre, porém vendo a sociedade espetáculo se apossando de todas as coisas, até da dor e do sofrimento (quando estes tem força de consumo). Lembrei de um trecho de um texto de Kosik (saudade de ler Kosik):

"Vivemos numa época pós-heróica. Isso não significa que no século XX não se realizem ações heróicas; significa apenas que tudo que se faz de bom, grande, corajoso e heróico, tudo que se cria de belo e poético, é arrastado na correnteza da analização e da desindividualização, perdendo sua originalidade e sua força. O poder que influencia fortemente a opinião pública e amesquinha todas as coisas é a alma de lacaio.
O lacaio não conhece heróis. Ele não é, sobretudo, capaz de reconhecê-los. O que caracteriza sua visão do mundo consiste no fato de que ela reduz tudo à escala da banalidade. O ponto de vista do lacaio só lhe permite enxergar motivações amesquinhadas, inveja, pequenas safadezas.
No tempo de Goethe e de Hegel, os lacaios conheciam a intimidade dos seus patrões e por isso não podiam vê-los como heróis; hoje em dia, contudo, o olhar dos lacaios se instalou na visão do mundo dos patrões e dita normas de gosto e de moral: consome avidamente as fofocas e as intrigas da imprensa dos boulevards e julga tudo com seus critérios frívolos e sumários.
Um segundo empecilho no caminho da possibilidade do trágico, no nosso tempo, está na banalização e na domesticação da morte. A morte perdeu o poder que tinha de abalar profundamente os seres humanos e é digerida com certa rapidez no dia-a-dia. A morte do outro, do próximo, não ameaça nos desestruturar: ela é quotidiana, superficial, pouco significativa. Ela nos chega no meio de múltiplas imagens, sucessivas informações e sensações confusas; em seguida, desaparece, sem deixar traços."(Karel Kosík, tradução de leandro Konder)

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