quarta-feira, fevereiro 02, 2005

o tempo do vento


Um dia antártico. Dia de chuva e de um vento sudoeste poderoso. Assim mesmo, sai para a caminhada, embaixo de uma garoa fininha que cada vez ficava mais fria. Peguei o rumo contra o vento, pela beirada do mar e acelerei quando a chuva apertou. Contente, pensei que lá para março estarei correndo de novo.

O lado esquerdo do meu rosto congelou enquanto o que parecia um stalactite se formava na ponta do meu nariz. A meta era caminhar até a "Santa" e voltar, o que dá mais ou menos uns 50min.

A praia estava deserta e feliz, apesar do dia cinza. O mar parecia satisfeito de ter se livrado de toda aquela gente de cima de sua areia. Do cheiro de milho verde e caipirinha que acompanha a orda da orla. Eu também fiquei satisfeita, confesso. Não gosto de praia cheia, para ser mais exata, nem mais ou menos cheia. A multidão tira a dignidade da solidão do mar. É como amarrar um laço cor-de-rosa no pescoço de um tigre.
Pensei nisso durante a caminhada. Multidões aceitáveis são as que tem um propósito comum, uma alma comum, como no FMS, no futebol e até em algum show. Praia cheia, centro de cidade ou qualquer aglomerado sem alma, onde cada uma das formigas humanas está a cata de seu próprio umbigo, me estressam.

Isso faz parte do meu jeito meio "teórico" de gostar das pessoas. Gosto mais delas quando elas não estão presentes. Talvez a distância me faça esquecer as pequenas (ou nem tanto) picuinhas, vaidadezinhas, chaticezinhas, que como peixes pilotos acompanham os meus semelhantes (e até a  mim, também). Gosto da solidão, dos espaços vazios onde o tempo deixa de ser o pano de fundo.

Perto da "Santa" a chuva amainou. Possivelmente, porque hoje é dia dela, da Maria dos navegantes, da Iemanjá do mar, da mãe. Fui criada no meio de duas religiões. Uma que não crê em santos e, muito menos, em santas. Outra que crê em santos e em santas, desde que estas sejam virgens e saibam seu lugar. Numa ou noutra o céu é um lugar intensamente masculino. Em todo o caso, lá em casa se acendia uma vela para cada santo ou santa, mesmo os que não estavam no calendário, no almanaque ou na "folhinha".

É por estas que fico desconfiada com certas coisas da devoção. Mas o olhar da "Santa" me ganhou. Ela sorria irônica para a montanha de oferendas alagadas. Doces e fitas misturados num pirão. E olhava com infinita paciência os insistentes fiéis que perseveravam em acender velas, apesar da chuva e do vento. Dando a volta e respirando antes de recomeçar a caminhada, arrisquei uma reza, mais um desabafo, o meu lado bruxa falando para a mulher, para a mãe.

Falei para ela cuidar deste mundo, para protegê-lo, principalmente de si mesmo, de suas escolhas. Enquanto a chuva aumentava novamente e o lado direito do meu rosto começava a congelar, dei as costas para o vento, a "Santa" e seus seguidores e voltei para casa pensando na vida.

É sempre um risco escrever coisas assim, do modo como elas escorregam do pensamento. Mas, enfim, é fevereiro, quase carnaval, quase fim das minhas férias. Relevem ...

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