sábado, dezembro 13, 2003


[lógicas]


"Além das misérias modernas, oprime-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes do fato de continuarem vegetando entre nós formas de produção antigas e caducas que acarretam um conjunto de relações sociais e políticas anacrônicas. Não sofremos apenas por causa dos vivos, mas igualmente por causa dos mortos." (Karl Marx)

Estamos com problemas geralmente significa, começamos a enxergar as contradições. Hernani diz:

Estamos com problemas no MetaReciclagem. Um projeto colaborativo se faz com um esforço coletivo. Uma operação voluntária. O projeto está sendo levado por uma comissão, que conceitualmente está muito bem organizada. Mas isso reflete, de certa forma, a maneira antiga de gestão de negócios.
O que está errado? Não posso dizer que estamos errados. Estamos equivocados, apenas. Toda vez que tentamos administrar caímos na armadilha do velho mundo. Uma administração voltada para o negócio. E não para os projetos.

Mais adiante, ele faz um paralelo com as sociedades piratas, onde, nas suas palavras "se tratava de uma sociedade que fazia oposição ao 'status quo' vigente à época". Continua de uma certa forma atribuindo a hierarquia e a falta de descentralização, bem como divergências de foco, os problemas vivenciados pelos projetos. Conclui propondo uma administração pirata para o MetaReciclagem:
Assim, um projeto como o MetaReciclagem só pode se desenvolver se pensarmos pirata. Células orientadas a projetos. Autonomia de gestão. Muita informação fluindo entre as partes. E, principalmente, a convicção de que cada célula representa o todo. E assim termos a certeza da construção de um projeto comum. Cada membro do grupo necessita contribuir como base para os outros. Esqueçam coordenadorias, esqueçam chefes, esqueçam... Mas lembremos da operação pirata.

Penso que a mesma contradição que se verifica hoje no MetaReciclagem é a mesma que as próprias sociedades piratas vivenciaram. Ao mesmo tempo em que havia uma autonomia e democracia maior num navio pirata do que num navio da marinha, muitas vezes esta autonomia estava subordinada aos mesmos senhores que financiavam a marinha mercante. Assim como hoje, nos exércitos existem as células desmilitarizadas, relativamente autônomas, mas com funções bem definidas dentro da totalidade da organização.

O MetaReciclagem não é um navio e, mesmo se fosse, o navio navega no oceano, que banha as praias, que são parte do continente... A própria rede determina estas dependências, implicações e imbricamentos. Então não há como fugir à contradição. A contradição mesma que fazia de um Sir Francis Drake um dos maiores piratas e, ao mesmo tempo, braço direito da rainha.
Hoje, quando alguns podem pensar que um camelô, que vende muamba contrabandeada por outro comerciante autônomo, pode ser um moderno pirata, outros podem ver nele apenas mais um capitalista. Tão capitalista quanto os que vendem e compram aquele tipo de muamba chamado ações, commodities, ... em operações onde, também, vale a lei da espada mais ágil, da liderança estratégica e efêmera. Todos igualmente subordinados ao mesmo sistema.

Por isso discordo do Paulo, quando ele diz que o cartesianismo já foi. Embora a realidade não seja cartesiana, as análises sobre ela certamente continuam sendo. Basta lembrar Fukuyama decretando o fim da história, mesmo depois de Hegel ter caído do cavalo no mesmo assunto.

Não vivemos numa sociedade em rede e saimos de uma sociedade de cultura de massa. Vivemos na intersecção destas duas sociedades. Uma sociedade onde a rede opera numa certa esfera e determina consumo de massa de produtos não massificados em outra, e na mesma, pois não são esferas separadas. Uma sociedade que cria um consumo elitista e um desejo de consumo, seja qual for, cuja possibilidade, sempre em modo futuro de realização, dá movimento a máquina.

Esta lógica permeia todos os espaços, mesmo os que tentam lutar contra suas determinações.
A mercadoria e suas metamorfoses ainda é o início, meio e fim destes movimentos. Seja ela a muamba, as ações da bolsa, a informação, o conhecimento. Porque a lógica reduz tudo a mercadoria, inclusive as pessoas, os projetos, ...
Entender este processo é poder criar espaços, ações, opções de resistência. Não sem dor e sem fracasso, mas sem abandonar a esperança crítica.

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