segunda-feira, agosto 25, 2003


[nós somos da pátria a guarda...]

Esqueci de contar que o meu "não precisei levantar cedo hoje" foi por uma bela razão: o Dia do Soldado. Lá no CM somos todos, de certa forma, soldados e, hoje, não tem expediente. :)
Parei aqui para lembrar estes anos de quartel e o meu contato com a vida de soldado. Registro que, quando falo soldado, estou me referindo ao militar em geral, com ou sem estrelas.
Lembro de iniciar com um certo receio minhas atividades no CM. Um receio que vinha de minha adolescência, dos tempos de ditadura militar, do papel que o exército escolheu assumir naquele período tão crítico de nossa história.
Porém, meus receios foram injustificados. Mais surpreendente que as coisas nas quais o exército não mudou, são as coisas nas quais ele mudou. Penso que, como toda a instituição, o exército tem sua contradição e fica tensionado dialeticamente entre o transformar e o conservar.
Nestes oito anos, aprendi (contraditoriamente) a amá-los e odiá-los. Odiá-los naquilo que "fecham" e amá-los ao ver aflorar, de repente, a inocência.

A seção de educação Física (SEF) é um divertido lugar onde se trabalhar. Somos uns 20, entre civis e militares. O chefe da seção é sempre um militar e, nos últimos 4 anos, têm sido tenentes. Uma desvantagem comparando com as seções chefiadas por Coronéis. (é..., isso conta)
O penúltimo chefe, era o exemplo do militar honesto, ativo, um tanto ingênuo, mas carismático, cheio de grandes e boas intenções. Jovem, atrapalhado, tendo que lidar com professores mais velhos, era o herói (no sentido romântico) de todas as alunas e um modelo para os alunos. Além disso, era muito divertido e tinha um jeito extraordinário de lidar com a sua mini tropa militar: os sargentos, cabos e soldados da seção.

Todo início de ano recebemos soldados novinhos em folha, uma gurisada de 18 anos, que está fazendo o serviço militar. Chegam um tanto aterrorizados, mais pela imaginação do que pela recepção que tiveram. Batem continência até para os gatos que moram no rancho. Ao final do ano, alguns deles engajam no exército, mas a maioria volta à vida civil.
Soldado que cai na seção de educação física é um sortudo, cai no paraiso. Aprende a montar quadras desportivas, cuidar do material, acompanhar professores e alunos em jogos e competições e... a jogar xadrez ...... (Xadrez é um vício da Seção, todos jogam. Há um ranking permanente de de auto-promoção, difamação do inim, digo, do adversário, vitórias efêmeras e derrotas retumbantes)
Porém, ser recebido no paraiso tem seu preço: o cara está sujeito a ser batizado, a qualquer momento, com algum trote ultrajante :).

Foi o que aconteceu com um soldado recém chegado, um enorme guri dos mais ingênuos, que teve o azar de pegar um dia em que o tenente estava com a corda toda.
Perto do meio dia, o tenente mandou chamar o soldado e informou-o de que um helicóptero pousaria no pátio do CM e que ele deveria fazer a sinalização para o pouso. O pobre soldado se apavorou e, vencendo a timidez, falou que não sabia como fazer a sinalização, que nunca havia nem sequer chegado perto de um helicótero, e...

O tenente, seríssimo, cortou o assunto dizendo:
- Você receberá treinamento e deve preparar-se depressa e adequadamente para a missão.
Terminou invocando todas as desgraças que poderiam acontecer a quem envergonhasse a SEF, etc. , etc.
Em seguida, pegou duas raquetes coloridas de tenis de mesa e começou a 'dar o bizú', ou seja, ensinar os sinais. Quem olhava de uma certa distância, ficava na dúvida se ele estava sendo atacado por um enxame de abelhas ou se praticavam uma nova modalidade de ginástica rítmica.
A operação toda incluia diversos movimentos de braços, ajoelhar-se cruzando as raquetes a frente e, de repente, saltar para a posição em pé e executar alguns saltitos estranhos abanando as raquetes.

O soldado passou praticando toda a tarde, repetia a coreografia em todos os intervalos possíveis nas atividades, para delírio dos malvados... Pior mesmo era a expectativa, ... A todo momento alarmes (falsos) de helicóptero chegando soavam na Seção.
À tardinha lhe informaram que a missão fora abortada (ufa), mas que, no dia seguinte, um submarino atracaria no laguinho da Redenção e que ele fora escolhido ... Aqui ele começou a desconfiar... mais uma inocência perdida...

[a SEF tem muitas histórias. Outro dia eu conto o caso do peixe do tenente ou, se tiver coragem, conto como fui presa pela PE no meio de um comboio em São Leopoldo]

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